Sabe, agora pensando, aquela sua camiseta verde musgo me caiu bem. Eu me divertia brincando de realizar o que sempre sonhei e você parecendo saber disso, sorria de lado.
Você sabia também que precisava dormir. Precisava ir embora, sem regresso. Mas ninguém lembrou disso no instante em que o dia amanhecia e você fumava um cigarro olhando no parapeito da janela os riscos de chuva que caiam e não molhavam ali, evaporavam antes, e eu me esforçava pra caber no espaço que restava entre você, o baobá, a pena, o cigarro, a janela e a minha liberdade, que você levou, não por assalto, como o de mais cedo, mas porque ela quis ir embora contigo naquele momento em que se tornou independente.
Sabe, pensando ainda, talvez eu tenha passado todos esses anos esperando 'el navi nel porto' e agora 'mille speranze che un giorno, mi ritroverai'.
Ainda não compreendo bem o tempo, às vezes fica mais claro, às vezes parece estar tudo dito, mas foi tão de repente. Assim como é Leminski: 'antigamente eu era eterno'.
Quer saber, sem pensar, eu simplesmente desisti de esquecer.
[...]
um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegasse atrasado
andasse mais adiante
carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisa que os valha
ópios, édens, analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer vai ser minha última obra."
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